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História de Barão de Guaicui


José Moreira de Souza
O povoado atual do Barão foi constituído com a escolha desse lugar para estação da estrada de ferro Vitória a Minas. O traçado original dessa estrada, cuja medição teve início no ano de 1890, determinava uma estação na vila de Gouveia. O trem de ferro chegaria ao povoado pela rua conhecida como “Do Carrapicho” e a estação seria construída do lado direito – sentido Norte Sul - da igreja de Nossa Senhora do Rosário, no final do que é, hoje, a rua doutor Laurindo Ferreira. Alguns motivos, aparentemente técnicos, mas, seguramente, acompanhados de conotação política, desviaram os trilhos da estrada de Ferro Vitória Minas para a rota que ficou definitiva. A estação do Barão se chamou originariamente “Gouveia”, como uma consolação.
Motivos técnicos: acentuada declividade que exigiria curvas sucessivas para uma composição subir a serra até Diamantina ou descer sem maiores riscos. Essa justificativa pode ser contrastada com as opções tomadas quando da construção da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí em São Paulo e também com as que enfrentaria no trajeto de Conselheiro Mata até Diamantina. No caso da Santos a Jundiaí o obstáculo da Serra do Mar não foi visto como justificativa. Serviu, pelo contrário, para elogio à tecnologia.
Vale a pena ler essas considerações de Max de Vasconcelos na obra Vias Brasileiras de Comunicação [4ª edição de 1933]: “Quatrocentos e quarenta metros depois da estação, é transposta a ponte do Baraúna, de 15m,35. E, vencendo a rampa hostil, ganha o trem o divisor das águas do Jequitinhonha e do Rio das Velhas (garganta da Bandeirinha) na altitude de 1.400 metros, a mais considerável das altitudes atingidas por estradas de ferro no Brasil.”(p.361) Pelo que se vê, não seria um grande desafio a passagem da estrada pela sede do distrito de Gouveia.
Motivos políticos: influências das elites de Diamantina que se valeram do ministro Francisco Sá, neto do Barão do Guaicuí. A estrada de Ferro Vitória a Minas, teria seu traçado original passando por Peçanha, alcançando a cidade do Serro e como destino final a cidade de Araxá, no Triângulo. Do outro lado, a Central do Brasil, seguiria do Rio de Janeiro até o rio São Francisco em Pirapora. O ano de 1908 foi decisivo nessa disputa. Diamantina lutou para que as obras da Estrada de Ferro se iniciassem na estação de Curralinho – atual Corinto – e não aguardassem os trilhos vindos pelo vale do Rio Doce. Resultado, o trecho de Corinto a Diamantina ficou perdido no meio do caminho. A estrada nunca chegou ao Serro nem a Peçanha e criou sérios problemas de administração para a Vitória Minas, até que, no dia 6 de janeiro de 1923, o ramal perdido da E. F. Vitória a Minas foi incorporado à Central do Brasil.
Viajemos com Max de Vasconcelos:
O trem vai-se agora afastando do vale do Riacho das Varas, que, à esquerda, a nordeste, apresenta a formosa cachoeira dos Olhos d’Água (300 cvs).
No k. 964.608, atravessa o trem, pela segunda vez, sobre uma ponte de 31m,40, o rio Pardo Pequeno; e, tomando a direção nordeste, vai galgando a montanha. O traçado é heróico; transpondo gargantas, tangendo precipícios, o trem atravessa a ponte do Tamanduá (10m,40 – k. 967.335). e do Bexiga (15m,35 – k. 970.045) e chega a
Barão do Gauicuhy – K. 972.155
Primitiva “Baraúna”, posteriormente “Gouvêa”. Josephino Vieira Machado, Barão do Guaicuhy. Foi o empreendedor da navegação do Rio das Velhas.
Serve ao distrito de Gouvêa (10. K. ao sul). Quatrocentos e quarenta metros depois da estação, é transposta a ponte do Baraúna, de 15m,35.
Atualmente, pelo endereço www.estacoesferroviarias.com.br, obtém-se informações sobre um pouco de história do povoado e da estação, nem sempre seguras. Pela memória local, consta que o trem chegou triunfalmente à estão do Baraúna no ano de 1910, mesmo que não seja esta a data de sua inauguração.Com efeito, no dia 11 de outubro de 1913, o chefe do executivo municipal de Diamantina encaminhou ofício solicitando que os trens chegassem regularmente até a estação de Baraúna, com o objetivo de tornar mais ágil o serviço dos correios. Oficialmente as estações foram inauguradas em maio 1914 e mereceram edição especial do jornal Estrela Polar.
No livro de Tombo da Paróquia de Gouveia, consta já no ano de 1914 a presença da capela filial de Baraúna. Contudo, o termo de doação para construção de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição e do cemitério é de 1915. A doação foi feita por Raimundo Teles de Menezes e sua mulher dona Ana Flora Guerra de Menezes. Esse casal havia adquirido a fazenda do Capão – propriedade original de Bernardo Fonseca Lobo – de João Ferreira de Santana e dona Cesária Lopes de Santana. A capela ficou pronta no ano de 1939, sendo elogiada no livro de Tombo “é uma das melhores, tanto pela construção em estilo moderno como também por possuir bons ornamentos e tudo mais necessário ao culto católico.”
O Documento da paróquia oferece sendas importantes para uma política de patrimônio. O que ficou conhecido como “Retiro do Doutor Teles” em Barão era uma parte da Fazenda do Capão, originariamente de propriedade de Bernardo Fonseca Lobo. Vale lembrar que Bernardo registrou sua sesmaria no ano de 1739 e nessa data ela ficava isolada de tudo no mundo. Na carta de sesmaria declara “o qual confina por todos os lados com campos e parte com huas capoeiras devolutas, e que o suplicante tem plantado, ficando-lhe o campo em meio, e tudo fazia um quarto de légua em quadra”.[Villa Rica, 21 de Dezembro de 1739]
Em 1831, ainda residiam na fazenda do Capão pessoas aparentadas a Bernardo. O alferes Roberto Mascarenhas Vasconcelos, casado com Maria Cândida Fernandes. Ambos eram pardos, o que mostra como se miscigenou a descendência de Bernardo. Quanto ao Doutor Teles era médico baiano, residente em Diamantina, político influente, de tradicional família lembrada desde o século XVII no Recôncavo Baiano.
Eu conheci Barão em diferentes oportunidades. A primeira vez foi no ano de 1946, com cinco anos de idade. Fui no caminhão de Antônio Almeida, o qual foi incumbido de levar até a estação os padres Eli Carneiro e Joaquim Maia. O povoado era iluminado pelos lampiões da casas e da estação. Deixamos os sacerdotes na residência de dona Júlia Lopes e retornamos porque o trem iria atrasar. Naquela época Barão era um povoado movimentado. O estafeta do Correio – Seu Antônio Pinto – viajava três vezes por semana para levar e trazer correspondência; caminhões levavam e traziam – mais traziam – encomendas para abastecer o comércio; fardos de algodão desembarcavam na estação com destino à Fábrica de São Roberto. Retornei ao povoado em dias de festas, ora acompanhando o padre José Machado, ora o padre Serafim. Certa vez, uma senhora, após a missa, trouxe-me uma criancinha de três ou quatro meses e me pediu para colocar na boquinha do nenezinho a chave do sacrário.
- É para curar boqueira, sapinho. Ela disse.
Estranhei, mas obedeci. Torci a chave enferrujada na boca da criança. Se fosse em Gouveia, pensei, tinha razão. A chave do sacrário da matriz que pesava pelo menos 300 gramas era de ouro maciço. Tomara que a fé da piedosa senhora lhe tenha valido.

No ano de 1968, visitei Barão com objetivo de estudo. Estava desenvolvendo um projeto cujo título era “Comunicação e Mudança”. Meu objetivo era estudar o que havia contribuído para que, em nossa região, a música erudita perdesse importância, já que até o século XIX havia inúmeros compositores nesse gênero. Meu projeto incluía desde Minas Novas, até Serro e Conceição do Mato Dentro. Os povoados novos, como Conselheiro Mata e Barão, também estavam incluídos. Vou transcrever o que registrei, cinco anos antes de o povoado morrer de vez.
Barão do Guaicuy
Barão é lugarejo deste século. Antes havia apenas uma fazenda. Surgiu com os trilhos da E.F.C.B. O pessoal mais antigo é todo das localidades circunvizinhas e foi para lá ganhar a vida no comércio nascente. Barão foi muito próspero antes da estrada de rodagem; hoje, com o fracasso do ramal Diamantina – Corinto, da EFCB, decai a cada dia.
Numa fase de euforia, Barão tentou a música várias vezes. Contratou até mesmo maestros para lecionarem música. A tentativa ficou em tentativa. A música que existe lá é apenas de cânticos populares e de igreja. A própria folia de reis que saía todos os anos à rua, pedindo esmola, e que constituía a única manifestação espontânea da localidade, morreu este ano (1968) com o desaparecimento de seu chefe.
Barão consumia – e ainda poderá consumir, se houver festeiro rico qualquer ano – a música comercial da Euterpe ou do Batalhão de Diamantina.
Ultimamente, entretanto, nem isso mais.
O Barão está morrendo.
Em 1973, o trem circulou pela última vez. As casas ficaram vazias. Poucos moradores que permaneceram conviveram com a pobreza. Maridos migravam em busca de trabalho e deixavam as esposas com filhos pequenos vivendo uma penúria de dar medo. Mendigar? Onde? Se nosso doutor Raimundo calculasse o índice de Gini para essa localidade, certamente, ele encontraria resultado próximo de zero: nenhuma desigualdade social. Todos eram muito pobres. A cachoeira continuou imponente. Senhoras pescavam lambaris para matar a fome dos filhos, até que um dia começaram a chegar os “turistas”.




Hoje, Barão pensa em turismo. Vale sublinhar este exemplo histórico. Quando Vila do Príncipe se tornou sede da Comarca do Serro, no início de 1700, o ouvidor propôs ao rei a criação da vila do Milho Verde. Na naquele tempo, ser elevado a vila era uma honra sem par. Vila era sede do senado da câmara e cabeça do município. O governador da Capitania de Minas Gerais se opôs. Disso resultou que o arraial do Tijuco suplantou o de Milho Verde que continua até hoje um distrito do município do Serro. Nos anos oitenta, seguindo o que acontecia em São Gonçalo, Milho Verde passou a chamar a atenção dos “turistas”. Visitei Milho Verde no ano de 1989. Eles queriam turistas. Tais turistas começaram a levar cordões – cercas de arame vieram depois - para demarcar lotes em terras devolutas. Sejam bem-vindos à terra de ninguém.

 

 

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Barão de Guaicui às 09:16 Nenhum comentário:

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